A múmia de Nesyamun, sacerdote e escriba no templo de Amon, em Karnak, foi enterrada em Deir el-Bahari no decorrer do reinado de Ramsés XI (c. 1100 a 1070 a.C.), conforme nos revela um ornamento de couro existente entre suas bandagens. Ele era um sacerdote de elevada hierarquia, já que tinha permissão para se aproximar da estátua de Amon no santuário interno, o mais sagrado do templo. Entre seus títulos estavam os seguintes: Escriba das Contas do Gado da Propriedade de Amon; Escriba do Santuário de Montu, o Deus de Tebas; e Escriba das Oblações Feitas para Todos os Deuses do Alto e do Baixo Egito. Seus deveres devem ter incluído a realização de inventários, relatórios, documentos e outros atos administrativoa e sua responsabilidade principal era a de registrar a quantidade de milho ingerida pelo Gado Sagrado. Estes eram os animais que seriam mortos e oferecidos em um banquete diário em honra dos deuses. A esposa de Nesyamun era filha de um dos mais importantes funcionários de Karnak. De acordo com a tradição de passar a função sacerdotal de uma geração para a outra, o filho dele o sucedeu como sacerdote quando ele morreu. Com cerca de 1,70 m de altura, deve ter falecido ao redor dos 45 anos de idade.
Em 1823 o corpo foi encontrado por M. J. Passalacqua, um antiquário que costumava vender o que desenterrava das tumbas que descobria. A múmia foi vendida para um grupo das pessoas de Leeds, na Inglaterra, que tinham formado uma sociedade literária e filosófica e se interessaram por estudar o cadáver cientificamente. Os membros dessa sociedade eram suficientemente ricos para construir um museu com laboratórios e salas de conferências.
Em 1828 o corpo chegou ao museu dentro de dois ataúdes, sendo que o mais externo, que vemos na foto acima, mostrava-se em boas condições. É feito de sicômoro, na forma de um homem com os braços cruzados sobre o tórax. A face, porém, não pertence ao morto. Naquela época eram vendidos ataúdes pré-fabricados com rostos masculinos e femininos padrão esculpidos na madeira. Apenas membros das famílias reais tiveram ataúdes esculpidos à sua própria semelhança. Há um pequeno orifício no queixo onde uma barba teria sido fixada, mas ela foi destruída. O fundo amarelo do ataúde está decorado com aproximadamente trinta cenas da mitologia egípcia. Seis delas são de oferendas aos deuses e ainda há textos de orações às deidades pedindo sucesso na vida após a morte para o falecido .
Tão logo a múmia chegou em Leeds passou por uma autópsia. As bandagens de linho foram removidas e se descobriu que havia pelo menos 40 camadas de tecido. Como era usual, as envolturas exteriores haviam sido feitas com linho estreito, finamente tecido, de excelente qualidade. Mas o pano tornava-se progressivamente mais largo e mais grosso nas bandagens internas. Entre elas havia jóias e ornamentos. A retirada da última bandagem não revelou a face ou o corpo de Nesyamun imediatamente: havia uma camada de especiarias com uma polegada de espessura entre a pele e o linho. Um cheiro de canela se espalhou pelo ar naquele dia, quase três mil anos após a morte de Nesyamon. Afastadas as especiarias, apresentou-se o corpo de um sacerdote com a cabeça, barba e sobrancelhas raspadas. Especiarias também foram usadas para encher as cavidades abdominal e toráxica. A boca e a garganta estavam cheias com um pó feito de vegetais e as bochechas estavam preenchidas com serragem para manter a forma natural da face. A pele era cinza, estava em boas condições e era macia e gordurosa ao toque. Suas mãos tinham as unhas pintadas com hena, sugerindo que ele teve uma vida confortável.
O método de mumificação nesse caso havia sido clássico e bastante elaborado: os órgaos internos haviam sido removidos, tratados com natrão, envoltos em tecido e recolocados no abdómem; o cérebro havia sido removido e substituído por especiarias pulverizadas. O que mais chamou a atenção, entretanto, foi o fato da língua estar projetada para fora da boca. Isso era incomum e os cientistas do século XIX não conseguiram determinar se a anomalia se relacionava com a causa da morte, pois não descobriram qual teria sido o motivo do óbito.
Em 1989 foi realizada uma segunda autópsia em Nesyamun, desta vez usando-se técnicas não destrutivas. No que diz respeito à língua, descobriu-se que ela parecia ter sido quebrada durante o processo de mumificação e que os embalsamadores cobriram-na com cola para reunir os pedaços. Mas isso não explicava por que ela saíra da boca. Foram levantadas três hipóteses:
Nesyamun tinha um tumor.
Nesyamun foi estrangulado.
Uma abelha picou Nesyamun na língua, que inchou
e o sufocou até a morte.
As duas primeiras hipóteses foram descartadas. A língua não parecia ser maior do que o normal e quando os cientistas examinaram suas células no microscópio nada encontraram de canceroso. O estrangulamento foi descartado porque o pescoço não apresentava qualquer marca de violência. Restou a possibilidade de uma picada de abelha ou algum outro tipo de reação alérgica. Como os fluidos corporais foram drenados durante a mumificação, não existe maneira de comprovar qualquer alergia. Embora não se possa chegar a uma conclusão definitiva, a terceira hipótese não pode ser totalmente descartada. A face perfeitamente preservada está contorcida de maneira consistente com uma morte súbita, dramática e rápida. Além do aspecto da língua, os olhos estão esbugalhados. Os sacerdotes sempre fechariam a boca do cadáver e não tê-lo feito é uma indicação clara de que estavam impossibilitados de fazê-lo.
Na arcada dentária de Nesyamun muitos dentes estão faltando. Isso se atribui ao consumo de alimentos misturados com areia e ao uso de ramos vegetais para a escovação, o que mais desgastava do que protegia os dentes. Eles chegaram a deixar lascas na gengiva, demonstrando a precária higiene bucal. Atualmente a múmia de Nesyamun, cujo nome significa aquele que pertence a Amon, um nome muito popular naquela época, está exposta, juntamente com seu sarcófago, em uma tumba egípcia reconstituída no Leeds City Museum, em Leeds, na Inglaterra. Veja a reconstituição do rosto desta múmia clicando aqui.